No Brasil a limitação de risco para empreendedores individuais foi matéria que sofreu considerável resistência. Por muito tempo, a obtenção de personalidade jurídica, com limitação de responsabilidade dos sócios, demandava a existência de uma sociedade empresária (dois ou mais sócios).
Buscando enfrentar essa questão, o ordenamento jurídico brasileiro inovou ao propor a criação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) por meio da Lei nº 12.441/2011. Esta nova lei incluiu o artigo 980-A ao Código Civil (Lei nº 10.406/2002) passando então a prever a nova espécie de empresário, distinta do empresário individual e das sociedades, mas que permitiu a uma única pessoa ser o titular exclusivo do capital da pessoa jurídica, e mediante esse instrumento legal, o titular passa a usufruir de limitação de responsabilidade.
A criação dessa nova espécie empresarial com um brevíssimo texto legal gerou diversas dúvidas, polêmicas e debates. Contudo, uma das principais polêmicas existentes desde 2011 dizia respeito a quem pode constituir e representar como titular de uma Eireli.
Nesse sentido, o texto legal deu margem a interpretações distintas, dado que o caput do artigo 980-A dispõe que a empresa será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, não prevendo o aludido diploma legal qualquer distinção quanto ao seu titular, enquanto que, o parágrafo 2º dispõe que a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. Surge então dois entendimentos divergentes: um de que a Eireli somente poderia ser constituída por pessoas naturais, e outro, de que tanto pessoas naturais quanto jurídicas poderiam constituir Eireli, mas a pessoa natural somente poderia representar como titular em uma única Eireli.
Ainda em 2011, o então existente Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), ao regulamentar o tema da Eireli pela Instrução Normativa nº 117/2011, adotou o entendimento de que a Eireli somente poderia ser constituída e representada por pessoas naturais, vedando a constituição por pessoas jurídicas. Referido entendimento levou a diversos questionamentos e discussões judiciais, mantendo a polêmica em aberto.
Em 2013, com a substituição do DNRC pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), surgiu a expectativa de que, com a nova regulamentação do DREI, se autorizasse a constituição de Eireli por pessoa jurídica. Entretanto, o DREI, através da Instrução Normativa nº 10/2013, em seu anexo V (Manual de Registro de Eireli), manteve o entendimento anterior do DNRC, vedando às pessoas jurídicas a condição de titular de Eireli. Com isso, continuaram as discussões e medidas judiciais em relação ao tema.
No início de 2017 o DREI publicou a Instrução Normativa nº 38/2017, em vigor desde o dia 02/maio/2017, alterando seu entendimento acerca do tema, de modo que a nova redação do Anexo V, item 1.2.5 - Capacidade para ser titular de Eireli - do Manual de Registro, em sua alínea "c", prevê expressamente que pode ser titular de Eireli a pessoa jurídica nacional ou estrangeira. Com isso, parece que mais uma grande discussão prática sobre o tema da Eireli se encerrou, oferecendo maior segurança jurídica aos empreendedores.
A concordância do DREI, mesmo que tardia, trará benefícios e avanços relevantes para a sociedade, sobretudo para o empresariado brasileiro, pois acarretará a padronização e agilidade aos procedimentos adotados pelas juntas comerciais, além de corrigir um vício de ilegalidade constante na IN nº 117/2011 que impedia a constituição de Eireli por pessoa jurídica, em total afronta ao disposto na Lei nº 12.441/2011 e, em consequência, ao artigo 980-A do Código Civil.
Não há dúvidas de que a intenção do legislador era de ampliar o leque para a utilização da Eireli a todas as pessoas, inclusive as estrangeiras, não existindo qualquer óbice legal a essa possibilidade. Basta verificar o processo legislativo que deu origem à Lei nº 12.441/2011. A palavra “natural” foi excluída do caput do artigo 980-A do texto legal logo após a palavra “pessoa”, para que, dessa forma, a Eireli pudesse atender aos anseios da sociedade contemporânea, possibilitando, assim, a sua constituição também por pessoa jurídica.
Edição | 1706